domingo, 20 de setembro de 2009

A PRESENÇA FEMININA NA GENEALOGIA DE JESUS

A PRESENÇA FEMININA NA GENEALOGIA DE JESUS
INTRODUÇÃO
A presença de nomes femininos na genealogia registrada no evangelho canônico de Mateus é um fato incomum e surpreendente, pois nos registros genealógicos dos livros canônicos normalmente não aparecem o nome das mulheres.
Tamar, Raabe, Rute, Bate-Seba e Maria tiveram seus nomes incluídos nessa importante genealogia. Todas foram fortes e venceram suas batalhas pessoais e familiares. Todas sofreram e choraram para cumprir o seu papel de mulher e de ser humano. Com suas vitórias, todas deixaram seus nomes marcados para sempre na história.
A presença dessas mulheres na genealogia de Jesus não é por acaso. Qual foi o propósito do escritor bíblico em registrar esses nomes? Por que razão ele mencionaria essas histórias? Qual a ligação delas com o nascimento de Jesus nesse contexto judaico-cristão na comunidade de Mateus? Nesse caso específico, qual era o objetivo do escritor-evangelista?
PRESENÇA FEMININA NA GENEALOGIA
Certamente, a presença feminina na genealogia de Jesus é um fato incomum. Nas demais genealogias não se encontram nenhuma referência ao nome das mulheres. Sabe-se que as genealogias tinham seu objetivo histórico e até mesmo teológico. Existem algumas razões que podem ser analisadas, no caso da citação do nome de mulheres na genealogia de Jesus pelo escritor-evangelista Mateus.
A primeira seria uma forma de resposta à acusação de que Jesus não era o Messias, porque teria sido fruto de uma união ilegítima. A segunda, a presença de mulheres estrangeiras sinalizaria um princípio de rompimento com o judaísmo e a abertura da missão do messias aos gentios. A terceira seria uma evidencia da importância da presença feminina no movimento de Jesus.
A ACUSAÇÃO DE QUE JESUS NÃO ERA O MESSIAS, POR QUE SERIA FRUTO DE UMA UNIÃO ILEGÍTIMA.
A primeira razão, aqui mencionada, que teria motivado o escritor-evangelista Mateus a citar o nome de mulheres na genealogia de Jesus é que pesava sobre Jesus uma séria acusação. Jesus não poderia ser o Messias, por que seria fruto de uma união ilegítima. Ele era filho de um carpinteiro pobre com uma mulher humilde, que carregava o estigma de alguém que tinha engravidado antes do casamento.
Há uma relação muito forte entre as mulheres citadas na genealogia com a maneira pela qual se deu o nascimento de Jesus. Tamar, Raabe, Rute, Bate-Seba tiveram um relacionamento fora dos padrões morais regulares.
Esse argumento concorda com a afirmação de Saldarini (2000: p.278): “A irregularidade do nascimento de Jesus é preparada pela citação de quatro mulheres na genealogia, todas irregulares de um jeito ou de outro”.
Nessa mesma linha, está o argumento do professor André Chevitarese (2006), quando escreve sobre o maior interesse das comunidades cristãs, a partir dos últimos decênios do primeiro século em diante, pela família de Jesus de Nazaré. Para defender seu ponto de vista, ele apresenta como um dos seus argumentos a teoria, que pode ser assim resumida:
Há dois indícios na literatura cristã que deixam transparecer que algumas comunidades cristãs já conheciam a acusação formulada pelos seus opositores de que Jesus não poderia ser o Messias, na medida que ele seria o resultado de uma união ilegítima, sendo considerado filho da prostituição. Os responsáveis por essa acusação estão do lado de fora dos portões das respectivas comunidades, talvez ainda inseridos no judaísmo.
O primeiro indício ocorre em um diálogo marcado pela tensão crescente entre Jesus e um grupo de judeus. O seu ápice estaria contido na seguinte passagem do Evangelho de João: “[Disse-lhes Jesus]: vós, porém, procurais matar-me, a mim, que vos falei a verdade que ouvi de Deus. Isto, Abraão não o fez! Vós fazeis as obras de vosso pai! Disseram-lhe, então: Não nascemos da prostituição, temos um só pai: Deus” (João 8:40-41).
O segundo indício está no capítulo primeiro do evangelho de Mateus. Verifica-se ao longo da genealogia mateana a citação de cinco mulheres, dentre elas, Maria, da qual nasceu Jesus chamado Cristo.
A narrativa mateana não deixa dúvida: o elemento comum nas narrativas relativas às vidas das cinco mulheres é a prostituição. Na sua genealogia, Mateus cita cinco mulheres, das quais quatro trazem o estigma da prostituição. É pouco provável que a quinta mulher, Maria, estivesse isenta da tal estigma.
O professor André ainda cita mais três outros textos na literatura do século II, que podem ser usados com referência à acusação da ilegitimidade física de Jesus. O primeiro é o Proto-Evangelho de Tiago. Esse texto deixa claro que algumas comunidades cristãs estavam preparando um material com finalidade de defender a honra de Maria, particularmente no que se refere à sua concepção e ao seu parto virginal. O segundo é o Verdadeiro Discurso, de Celso (datado de 178 D.C.) citado parcialmente na obra de Orígenes, Contra Celso (de 248 D.C.). Nesse texto há o registro de acusações de Celso contra o nascimento ilegítimo de Jesus. O terceiro é Os espetáculos de Tertuliano. É um texto produzido por um cristão do norte da África, em 197 D.C., que recupera a acusação, que ele considera caluniosa, de que Jesus seria filho de uma prostituta.
ROMPIMENTO COM O JUDAÍSMO E A MISSÃO AOS GENTIOS.
Uma outra razão que teria motivado o escritor-evangelista Mateus a citar o nome de mulheres estrangeiras na genealogia de Jesus é que essa citação sinalizaria um princípio de rompimento com o judaísmo e a abertura da missão do messias aos gentios. Tamar foi casada com o filho de Judá quando ele estava distante de sua família, morando com um Adulamita nas terras cananéias. Rute era moabita. Raabe morava em Jericó, cidade destruída por Josué.
Historicamente há um fator que precisa ser observado. O contexto do evangelho de Mateus tem uma profunda ligação com o período pós revolta judaica dos anos 66-73 d.C. Donald Senior (1987) desenvolve muito bem esse argumento, que pode ser assim resumido:
Para o judaísmo, a experiência arrasadora da revolta, incluindo a destruição de Jerusalém e do templo no ano 70 d. C., significou mudança radical na textura de sua vida religiosa. A variedade, que caracterizou o judaísmo pré-70, precisava abrir caminho para uma expressão mais homogeneizada a fim de sobreviver. Os fariseus eram os únicos com suficiente força moral e astúcia para coordenar a sobrevivência judaica. Sob sua liderança, centralizada em Jâmnia, os fariseus construíram o judaísmo na base de estreita fidelidade à lei, enquanto interpretada pelos fariseus.
Esta consolidação de pós-70 significava menos tolerância para grupos marginais do que no período antes da revolução. Movimentos apocalípticos e cristãos eram vistos como enfraquecimento da ortodoxia judaica e, conseqüentemente, como ameaça à sobrevivência. Como resultado, tais grupos foram expulsos das sinagogas durante o último trimestre do século I e os relacionamentos entre a Igreja e a Sinagoga se tornaram cada vez mais antagônicos.
Dessa forma, visto que a identidade de Jesus e as implicações de sua mensagem eram os pontos básicos de tensão entre a Sinagoga e a Igreja e o catalizador definitivo no tocante ao deslocamento da igreja em direção aos gentios, não surpreende que a perspectiva de Mateus seja radicalmente cristológica. Jesus não é somente o proeminente filho de Israel, mas o inaugurador de uma nova época de salvação que se estende a todos os povos.
Os suportes básicos para a perspectiva da missão aos gentios encontram-se em todo o evangelho de Mateus. Assim como pode-se ver no capítulo final, que mostra o estilo de atividade missionária da comunidade de Mateus.
“E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho ordenado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos” (Mateus 28:18-20).
IMPORTÂNCIA DA PRESENÇA FEMININA NO MOVIMENTO DE JESUS.
A terceira razão que teria motivado o escritor-evangelista Mateus a citar o nome de mulheres na genealogia de Jesus é que esse fato já é uma evidência da importância da presença feminina no movimento de Jesus.
É impressionante como a literatura canônica e não canônica revela uma presença feminina marcante. As mulheres na genealogia são apenas um sinal dessa presença feminina que viria posteriormente. É muito forte a lembrança e o registro de vários nomes: Marta e Maria, amigas de Jesus; Maria Madalena, apóstola da ressurreição e as mulheres anônimas que deixaram sua marca: a mulher Siro-fenícia, a mulher de Samaria, a mulher impura que “roubou” um milagre de Jesus. O movimento de Jesus foi absolutamente revolucionário nesse aspecto da valorização da mulher como ser humano.
Uma das características do movimento de Jesus na Galiléia foi a pregação da igualdade. Jesus pregou a igualdade em todos os sentidos. No movimento de Jesus não há preferência ao homem ou à mulher, mas há uma valorização de ambos. Assim como aconteceu com os pobres, esse nivelamento já colocou a mulher em um lugar muito além de sua realidade para a época.
Dessa forma, pode-se afirmar que a mulher teve um lugar preponderante no ministério de Jesus. O que se pode comprovar no texto de Lucas 8:1-3, onde se lê que várias mulheres participavam ativamente do movimento de Jesus, inclusive prestando assistência com seus bens.
Concordando com esse raciocínio, Elza Tamez (2004,p. 7) afirma:
As mulheres seguidoras de Jesus nos mostram duas coisas importantes: primeiro, Jesus sentiu uma inclinação especial pelos setores marginalizados, como os das mulheres, dos pobres e de todos os que sofrem discriminação; segundo, as mulheres encontraram no movimento de Jesus a esperança de que as coisas poderiam mudar, pois elas sempre haviam sido deixadas de lado.
Pode-se também confirmar essa idéia da valorização da mulher, de forma clara, no evangelho de João. Afirmam alguns que essa visão poderia ser uma resposta ao pensamento das cartas pastorais, que já pretendiam calar as mulheres, num momento que a Igreja se aproximava da possibilidade de receber o apoio do império romano.
Em João 2:5 percebe-se uma mulher (Maria, mãe de Jesus) dando ordens aos serventes (diáconos). João 4 registra um diálogo de Jesus com a mulher samaritana, que reconhece a messianidade de Jesus. Em João 11:27 Marta faz uma importante confissão: “Tu és o Cristo, Filho de Deus”. Em João 12:1-8 Jesus é ungido por Maria (irmã de Marta), o que demonstra a beleza e a profundidade da sensibilidade feminina, que já havia percebido, antes de todos, a morte de Jesus. Somente ela percebeu a necessidade de uma preparação especial do corpo de Jesus. Os discípulos não entenderam o que Maria fez e a criticaram, porém foram exortados por Jesus.
Na crucificação, o evangelho de João relata a presença das mulheres aos pés da cruz (João 19:25-17) e, finalmente em João 20:1-18 pode-se ver com clareza que Jesus aparece primeiro às mulheres e as envia (apóstolas) para que anunciem aos discípulos as boas novas da ressurreição, fato que o apóstolo Paulo não menciona em I Cor. 15:1-8.
O movimento de Jesus é totalmente igualitário, as mulheres só foram sendo excluídas à medida que a igreja se aproximava do estado romano com sua conduta totalmente patriarcal.

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(*) Resumo do artigo apresentado para conclusão do curso de pós-graduação em História do Cristianismo Antigo na UNB - Universidade de Brasília.
postado por João Marcus/Mabel @ 13:41

Um comentário:

  1. Caro irmão e colega de ministério:
    Obrigado por publicar no seu blog o resumo do artigo sobre a presença feminina na genealogia de Jesus. Creio que o tema é muito interessante e edificante para todos nós.
    Deus o abençoe ricamente.
    Seu conservo em Cristo,
    João Marcus.

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